Imagine descobrir um relato de 1753 que descreve uma cidade perdida repleta de arcos monumentais, estátuas misteriosas e inscrições indecifráveis no coração do sertão baiano. Este não é enredo de filme de aventura, mas sim a intrigante realidade do Manuscrito 512, um dos documentos mais enigmáticos da história do Brasil colonial.
O Que É o Manuscrito 512?
O Manuscrito 512 é um documento colonial brasileiro datado de meados do século XVIII (1753-54), de autoria anônima, que se apresenta como um relatório de expedição bandeirante. Seu título original, em grafia da época, é revelador: “Relação histórica de uma occulta e grande povoação antiquíssima sem moradores, que se descobriu no anno de 1753”.

A Misteriosa Autoria
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Apesar de o próprio manuscrito indicar que foi escrito em 1754 por bandeirantes em busca das lendárias minas de prata de Moribeca, sua autoria permanece um mistério. Historiadores renomados como Pedro Calmon chegaram a sugerir nomes como João da Silva Guimarães, mas nenhuma atribuição foi comprovada definitivamente.
A Descoberta Que Mudou Tudo
Do Esquecimento à Fama
Em 1839, o destino do manuscrito mudou completamente. O naturalista Manuel Ferreira Lagos encontrou o documento antigo e deteriorado no acervo da Livraria Pública da Corte (atual Biblioteca Nacional do Brasil) e o entregou ao prestigioso Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).

No mesmo ano, o cônego Januário da Cunha Barbosa publicou o texto completo na Revista do IHGB, relacionando-o imediatamente à famosa lenda das minas de Muribeca. Esta publicação transformou um documento esquecido em uma das maiores obsessões arqueológicas do país.
Preservação e Acesso Moderno
Atualmente, o Manuscrito 512 está preservado no acervo de Obras Raras da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Embora o acesso físico ao documento original seja extremamente restrito devido ao seu estado delicado (foi descrito como “muito antigo e carcomido” já em 1839), a instituição disponibiliza uma versão digital de alta resolução.
Boa notícia para pesquisadores e curiosos: o manuscrito inteiro foi digitalizado pela BN e está acessível online, permitindo que qualquer pessoa explore este fascinante documento histórico.
A Cidade Perdida: Descrições Extraordinárias

Uma Metrópole Abandonada no Sertão
O relato descreve uma descoberta extraordinária: após dez anos explorando o sertão em busca das minas de Muribeca, os bandeirantes avistaram do alto de uma montanha uma grande povoação antiga e abandonada.
Arquitetura Monumental
A entrada da misteriosa cidade impressiona pela grandiosidade:
- Três arcos monumentais: um central maior e dois menores nas laterais
- Inscrições indecifráveis em alto relevo
- Construções simétricas que pareciam “uma só propriedade de casas, sendo em realidade muitas”
O Coração da Cidade
No centro da povoação, os bandeirantes encontraram:
A Grande Praça Quadrada
- Uma imponente coluna de pedra escura
- Estátua de um homem apontando para o Norte
- Obeliscos nos cantos (descritos como imitação romana)
- Edifícios monumentais ao redor
Elementos Arquitetônicos Únicos
- Pórtico principal com figura em meio-relevo
- Homem de busto nu coroado de louros
- Templo repleto de relevos com símbolos (cruzes e pássaros)
- Brasões com inscrições misteriosas
Descobertas Arqueológicas Intrigantes
A Moeda de Ouro Misteriosa

Entre os achados mais notáveis estava uma moeda grande de ouro com características únicas:
- Lado A: Figura de um rapaz ajoelhado
- Lado B: Um arco, uma coroa e uma flecha
Cavernas com Inscrições
Próximo à cidade, seguindo um grande rio até uma cachoeira, os exploradores descobriram cavernas de minério cujas lajes de teto continham inscrições misteriosas que desafiavam qualquer tentativa de interpretação.
As Teorias: Entre Ciência e Mistério
A Explicação Científica: Mito Arqueológico
A interpretação acadêmica dominante, defendida por historiadores como Johnni Langer, considera o Manuscrito 512 como “a mais conhecida fábula arqueológica do Brasil”. Segundo esta corrente:
- Os elementos clássicos (arcos romanos, colunas, estátuas com louros) refletem o imaginário europeu do século XVIII
- O relato seria ficção inspirada por tradições de “cidades encantadas” no folclore ibero-americano
- Representa anseios românticos e senso de grandeza histórica do Brasil pós-independência
Capistrano de Abreu, já em 1885, descartava qualquer interpretação literal do documento, considerando-o desvinculado da realidade das minas de Muribeca.
As Expedições de Busca
A Grande Caçada do Século XIX
O IHGB, levando o manuscrito a sério, financiou expedições oficiais:
1841-1846: O padre Benigno José de Carvalho liderou buscas na Chapada Diamantina (BA)
- Resultado: nada foi encontrado
- Consequência: o relato caiu em descrédito acadêmico

1879-1880: O geógrafo Teodoro Sampaio explorou a Chapada e concluiu que o texto era ficcional, com descrições meramente poéticas das serras locais.
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Teorias Controversas de Contato Antigo
Correntes pseudocientíficas propuseram interpretações mais audaciosas:
A Hipótese Mediterrânea
- Possível contato pré-colombiano de povos mediterrâneos (fenícios, egípcios) no Brasil
- Barry Fell: pesquisador amador que alegou “traduções” das inscrições como termos gregos
- Interpretações fantasiosas: “Tesouraria de Ouro”, “Casa-Guarda de Prata”
Veredicto Científico: Essas teorias foram rejeitadas pela comunidade acadêmica como infundadas, sem evidências históricas ou arqueológicas que sustentem presença antiga de civilizações clássicas no interior do Brasil.
O Impacto Cultural e Literário
Inspiração para a Literatura
O Manuscrito 512 transcendeu os círculos acadêmicos:
José de Alencar (1865): Fez referência na novela As Minas de Prata Sir Richard F. Burton (1869): Traduziu partes em Highlands of Brazil, despertando interesse internacional
A Conexão com Percy Fawcett

O manuscrito ganhou fama mundial através do explorador britânico Percy Fawcett, que levou cópias em suas expedições amazônicas. Seu desaparecimento em 1925, enquanto buscava a misteriosa “cidade Z”, reforçou o fascínio internacional pelo documento.
A Febre das Expedições
Nos anos 1950-60, uma verdadeira “febre de expedições” tomou conta de aventureiros buscando tanto Fawcett quanto a cidade do Manuscrito 512, alimentando ainda mais a lenda.
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A Opinião dos Especialistas Modernos
Consenso Acadêmico Atual
Historiadores renomados concordam que não há comprovação da existência real da “cidade perdida”:
- Johnni Langer: Enfatiza o caráter lúdico do documento
- Capistrano de Abreu: Via o relato como exagerado e fantasioso
- Comunidade arqueológica: Nenhuma evidência concreta apoia o manuscrito
Valor Histórico Real
Embora descartado como relato factual, o Manuscrito 512 tem imenso valor como documento histórico:
- Expressão do imaginário nacionalista do Império
- Fonte para estudo da mentalidade da época
- Reflexo dos anseios românticos do Brasil pós-independência
O Manuscrito no Século XXI
Digitalização e Acesso Democrático
Com a era digital, o Manuscrito 512 ganhou nova vida:
- Digitalização completa pela Biblioteca Nacional
- Acesso online gratuito para pesquisadores e curiosos
- Reavaliação crítica por historiadores contemporâneos
Presença na Cultura Popular
O documento continua inspirando:
- Documentários sobre lendas brasileiras
- Literatura de divulgação histórica
- Debates em fóruns de história e arqueologia
- Teorias conspiratórias e grupos esotéricos
Por Que o Manuscrito 512 Ainda Fascina?
O Poder do Mistério
Mesmo desacreditado cientificamente, o Manuscrito 512 mantém seu fascínio por várias razões:
- Detalhamento impressionante: As descrições são minuciosas e convincentes
- Mistério da autoria: A identidade do autor permanece desconhecida
- Época de grandes descobertas: O século XVIII foi marcado por explorações e descobertas extraordinárias
- Desejo nacional de grandeza: Representa o sonho brasileiro de um passado glorioso
Lições Históricas
O manuscrito nos ensina sobre:
- Metodologia histórica: A importância da verificação de fontes
- Imaginário colonial: Como os brasileiros viam seu território
- Construção de mitos nacionais: O papel das lendas na identidade cultural
- Evolução da pesquisa: Como métodos científicos modernos revisam interpretações antigas
Conclusão: Entre História e Lenda
O Manuscrito 512 representa um fascinante capítulo da história brasileira, situado na fronteira entre realidade e imaginação. Embora a ciência tenha descartado sua interpretação literal, o documento permanece como testemunho único do imaginário colonial e dos sonhos de grandeza de uma nação em formação.
Para historiadores, é uma janela para a mentalidade do século XVIII. Para aventureiros e sonhadores, continua sendo a promessa de mistérios ainda não desvendados no coração do Brasil. E para todos nós, serve como lembrete de que às vezes as lendas revelam verdades mais profundas sobre quem somos do que os próprios fatos históricos.
Hoje, qualquer pessoa pode explorar este documento histórico através da versão digital disponibilizada pela Biblioteca Nacional do Brasil, mantendo viva uma das mais intrigantes narrativas da história colonial brasileira.
Perguntas Frequentes sobre o Manuscrito 512
1. O Manuscrito 512 é verdadeiro ou falso?
Resposta: O documento físico é autêntico – foi realmente escrito no século XVIII. Porém, o conteúdo que descreve (a cidade perdida) é considerado pela comunidade científica como fictício. Os historiadores classificam-no como uma “fábula arqueológica” ou expressão do imaginário colonial da época.
2. Onde posso ler o Manuscrito 512 completo?
Resposta: O manuscrito está totalmente digitalizado e disponível gratuitamente no site da Biblioteca Nacional do Brasil. Qualquer pessoa pode acessar a versão em alta resolução online, já que o documento original tem acesso muito restrito devido ao seu estado delicado.
3. Quem escreveu o Manuscrito 512?
Resposta: A autoria permanece um mistério até hoje. Embora o texto indique ter sido escrito por bandeirantes em 1754, não há identificação do autor. Historiadores como Pedro Calmon sugeriram nomes como João da Silva Guimarães, mas nenhuma atribuição foi comprovada.
4. A cidade descrita no manuscrito foi encontrada?
Resposta: Não. Apesar de expedições oficiais financiadas pelo IHGB entre 1841-1846 na Chapada Diamantina, nada foi encontrado. O geógrafo Teodoro Sampaio concluiu em 1880 que as descrições eram meramente poéticas das serras locais, não de uma cidade real.
5. Qual a relação entre o Manuscrito 512 e Percy Fawcett?
Resposta: O explorador britânico Percy Fawcett conheceu o manuscrito e levou cópias em suas expedições amazônicas. Seu desaparecimento em 1925, enquanto buscava a misteriosa “cidade Z”, aumentou mundialmente o fascínio pelo documento brasileiro.
6. Por que o manuscrito é chamado de “512”?
Resposta: O número 512 refere-se à catalogação do documento. Ele só começou a ser usado rotineiramente no final do século XIX, quando o manuscrito foi cadastrado como “Documento 512” em uma exposição histórica de 1881.
7. O que havia de especial na moeda de ouro descrita?
Resposta: Segundo o relato, a moeda tinha características únicas: de um lado mostrava um rapaz ajoelhado, do outro um arco, uma coroa e uma flecha. Detalhes tão específicos intrigam pesquisadores, pois são incomuns para moedas coloniais conhecidas.
8. Existem outras expedições procurando a cidade atualmente?
Resposta: Não há expedições científicas sérias atualmente. A comunidade acadêmica considera o caso encerrado desde o século XIX. Alguns grupos amadores ou esotéricos ainda fazem referências ao manuscrito, mas sem respaldo científico.
9. Qual o valor histórico real do Manuscrito 512?
Resposta: Embora não comprove uma cidade perdida, o documento tem imenso valor como testemunho do imaginário colonial brasileiro. Ele revela como os brasileiros do século XVIII viam seu território e seus sonhos de grandeza histórica, sendo fundamental para estudos sobre mentalidade da época.
10. As inscrições misteriosas foram decifradas?
Resposta: Não de forma científica. Houve tentativas amadoras, como as de Barry Fell, que alegou traduções fantasiosas como “Tesouraria de Ouro” em supostos alfabetos antigos. Porém, essas interpretações foram rejeitadas pela comunidade acadêmica como infundadas.
11. Como o manuscrito influenciou a cultura brasileira?
Resposta: O documento inspirou obras literárias (como “As Minas de Prata” de José de Alencar), despertou interesse internacional, motivou expedições por décadas e continua presente em documentários e discussões sobre lendas brasileiras, tornando-se parte do folclore nacional.
12. É possível visitar o local onde a cidade teria sido encontrada?
Resposta: Não há um local específico comprovado. As buscas históricas se concentraram na Chapada Diamantina (BA), uma região turística belíssima, mas sem qualquer vestígio da cidade descrita. A localização exata permanece indefinida e provavelmente inexistente.
O Manuscrito 512 encontra-se preservado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e está disponível para consulta digital em alta resolução nos arquivos online da instituição. Este artigo baseou-se em análises de historiadores renomados e documentos institucionais oficiais.
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